Carlos Josias: Tempos tensos e o assassinato norte-americano

Confira artigo do advogado sócio fundador e diretor da CJosias & Ferrer Advogados Associados, Carlos Josias Menna de Oliveira
Carlos Josias Menna de Oliveira

Ícone do setor de seguros, saudoso amigo falecido em julho de um 2022, Júlio Cesar Rosa, iniciou sua brilhante carreira no mesmo ano e na mesma seguradora que eu, em 1971, a antiga Assicurazioni Generali Di Trieste e Venezia, transferindo-se no amanhecer dos anos 80 para a antiga Cia. Paulista de Seguros, minha primeira cliente no exercício da advocacia securitária em 1983.

Adiante desembaraçou na HDI e presidiu por anos o SINDSEG DO RS.

Encerrando sua gestão na HDI Júlio se viu forçado a deixar o SINDSEG RS, onde geriu uma revolução no comando, e se tornou, logo a seguir, Presidente da FENSEG onde exerceu condução inovadora e admirável.

Por que esta recordação?

Ao tempo que presidia o SINDSEG RS manteve a tradição de, uma vez por mês, a realizar de um almoço com algum palestrante, preferencialmente do centro do país.

O almoço contava com a maciça participação do mercado, o que até hoje acontece.

Raramente eu faltava, costumava prestigiar todos também quer pelo relacionamento quer pelo aprendizado, fruto invariavelmente colhido.

Num destes, por volta de abril de 2013, estava na mesa de almoço aguardando a abertura de praxe e a apresentação da palestrante anunciada quando Júlio se aproximou de mim e falou-me: Josias, o voo atrasou muito, a Palestrante nem saiu de SP, estamos no vácuo. Me socorre, improvisa e me socorre.

Que situação.

Fui anunciado e enquanto caminhava para o microfone passou um filme na minha mente sobre dificuldades do meio no início da minha trajetória nos referidos anos 70.

E recordei as imensas dificuldades de lidar com as negativas perante o público segurado em inúmeras situações.

E, de fato, improvisei.

Dias depois, na NL do Sindseg RS, publiquei um artigo breve que tinha como tema a fala desenvolvida no almoço em questão.

Eis o texto:

“Seguros: Fases e Evolução das Relações e Condutas do Segurador com o Segurado.

A ideia contida no presente texto nasce a partir de um pedido de Júlio Cesar Rosa para que participássemos de um encontro com executivos do mercado que objetivava, de uma maneira bem informal, uma síntese da evolução das relações segurador e segurado ao longo dos últimos 30, 40 anos.

Na verdade, sequer se tratava de uma exposição e sim de uma conversa com militantes do ramo, sem maior compromisso literário, mas que pudesse dar uma visão rápida do que aconteceu neste período e como evoluíram as questões atitudinais entre as duas partes do contrato de seguro.

Dividimos este espaço de tempo em Eras, a saber:

A ERA DA NEGATIVA

O produto era vendido sem divulgação de suas normas, as quais o segurado pouco conhecia.

Tempo em que havia imensa desconfiança do departamento de sinistro sobre qualquer evento reclamado e as negativas eram comuns, muitas sem motivação séria.

Época em que a parte técnica trabalhava sem sintonia alguma com o comercial e rivalizavam dentro da empresa: a técnica entendia que o comercial vendia tudo sem orientar e esta entendia que aquela lhe prejudicava na venda porque obstaculizava a indenização.

Dizia-se que o pagamento do sinistro era o cartão postal da companhia, porém, na realidade, isto não passava de uma frase para atrair o consumo, mas que não se concretizava no momento do risco.

Os sinistros eram negados, em regra, verbalmente, sem explicação.

Foi o tempo em que o Judiciário celebrava que o contrato era lei entre as partes e seguia cegamente por ele, beneficiava o segurador que o redigia e deixava o segurado em plano de fragilidade.

Ao segurado era imposto o ônus de provar o que alegava e o Judiciário abrigava mais facilmente as teses dos seguradores favorecendo o que estava escrito em detrimento do contratante segurado.

A ERA DA DIVULGAÇÃO

Pouco antes do advento do Código de Defesa do Consumidor, o Judiciário já estava com sua tendência voltada em favor do titular da apólice, mas foi a partir dele que as empresas foram obrigadas a divulgar e informar amplamente no que consistia o produto – aliás, foi com ele que o seguro foi recepcionado como “produto”; o segurador, como fornecedor; e o segurado tratado na qualidade de consumidor.

Foi nesse momento que o segurado passou a ter seus primeiros contatos com o contrato e o que ele poderia efetivamente lhe reservar.

Houve uma inversão na ótica legislativa e judicial em relação a fase anterior, o segurado passou a ser o beneficiado pela dúvida, agora não só por entendimento jurisprudencial mas por coerção legal.

O CDC impôs a regra de que, em sendo o segurado consumidor, era a parte mais fraca, hipossuficiente, e por não redigir as regras da apólice, deveria ter o benefício e a vantagem na hora dos conflitos serem decididos.

Inverteu-se o ônus da prova.

Diminuíram e rarearam sensivelmente as recusas.

O segurador passou a examinar com mais cuidado as negativas, contudo, quando ocorriam, eram vagas, não definiam exatamente o motivo, receoso de que por ele estaria limitando o debate processual.

Neste momento o Judiciário passou a contemplar a posição do consumidor de maneira mais desconfortável às companhias seguradoras.

A ERA DO CONHECIMENTO – a fase do porquê – E DA GESTÃO

Após imensa e farta divulgação o seguro passou a ser bem mais conhecido.

Os segurados passaram a se familiarizar mais com as regras e entender mais o que adquiriam.

Ao conhecer mais e discutir mais, passaram a ser mais exigentes com seus direitos.

O segurador passou a ter redobrado cuidado com as negativas que baixaram violentamente.

A regra trocou: não é mais negar ou negar e não explicar, a regra é pagar e, se negar, amparar-se em motivo muito forte e explicitá-lo.

Deixar de pagar e empurrar para frente o pagamento da indenização também deixou de ser producente face o sistema de correção de valores.

As empresas passaram a se preocupar com seus passivos judiciais, o que no passado não acontecia (especialmente pelas aquisições de companhias por outras, no momento do negócio havia somente preocupação com a carteira, nunca com o passivo judicial, o que acarretou muitas surpresas desagradáveis).

Neste novo cenário, o segurado não admite mais a negativa sem saber exatamente o porquê dela e o segurador passou a ter que explicar.

O segurador passou a ter que se dedicar à gestão do negócio.

E a advocacia passa a ter mais atuação na prevenção – advocacia preventiva – e menos no contencioso propriamente dito.

Os tempos foram mudando e a cultura também. Vivemos outros tempos. Melhores”
– fim do texto transcrito

Repito o questionamento.

Por que esta lembrança?
Me ocorreu como eram difíceis aqueles primeiros tempos, o da “negativa”.

Tempos tensos.

Me ocorreu isto diante de fato atual triste, lamentável e assustador.

Brian Thompson, CEO da United Health Care (UHC), a maior provedora de Planos de Saúde dos EUA, foi brutalmente executado, assassinado, em Nova Iorque.

Baleado nas costas e perna, descobriram os investigadores que escrito nas cápsulas de balas as palavras “deny”, “defende” e “depose”, respectivamente negar, defender e destituir o que está sendo associado com um livro de Jay M. Feimann, de 2010, Delay, Denny, Defend que significa atrasar, negar e defender, com o subtítulo Por que as cias de seguros não estão pagando sinistros e o que pode ser feito a respeito.

A suspeita evidente é de que a execução do executivo tenha sido um aviso ou uma vingança por atrasos e negativas em sinistros.

Terrível se for o que os investigadores desconfiam ser e as evidências parecem apontar.

A recordação dos anos 70 foi imediata e muitas lembranças nefastas assaltaram pessoas e executivos de hoje que viveram aquele período onde acumulavam-se ameaças de mortes, vivendo-se alguns momentos de pânico o que implicava dificuldades até para sair do trabalha e se dirigir para casa.

O cenário aqui mudou radicalmente, não passamos mais por turbulências do tipo, o caso Norte Americano no entanto é um mau prenúncio que precisa ser imediatamente, breve e urgentemente resolvido.

Não temos mais, hoje, que temer estre retrocesso selvagem.

Mas não custa estarmos alertas.

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Crédito texto:

Carlos Josias Menna de Oliveira

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Bruna Nogueira