Requisitos de Regulação Prudencial da LC 213/2024: reflexões a partir do painel da AINDA

Veja o artigo de Karini Madeira, Superintendente de Acompanhamento Técnico da Confederação Nacional das Seguradoras.

A Lei Complementar 213/2024 introduziu no ordenamento jurídico brasileiro o regime de Proteção Patrimonial Mutualista (PPM), que inaugura um modelo diferente de organização coletiva para a cobertura de riscos. A minuta de Resolução CNSP, em consulta pública até 01.10, detalha os requisitos prudenciais aplicáveis a esse novo arranjo institucional, e foi objeto de debate no painel da AIDA.

O ponto central ressaltado é que a regulação prudencial tem como finalidade resguardar a solvência das entidades supervisionadas, assegurando sua capacidade de cumprir compromissos assumidos com participantes e beneficiários mesmo diante de cenários adversos. Trata-se de reduzir a probabilidade de insolvência e mitigar impactos sistêmicos, em consonância com as melhores práticas internacionais, especialmente com a Solvência II, que inspira o modelo adotado pela Susep com seus pilares quantitativos (capital e provisões) e qualitativos (gestão de riscos e conformidade).

O desenho normativo proposto distribui responsabilidades entre grupos de participantes, associações e administradoras. Os grupos, compostos por no mínimo mil participantes ativos, assumem coletivamente os riscos por meio de contratos de participação que estabelecem tanto a cobertura quanto o regime de rateio mutualista das despesas. As associações, por sua vez, formalizam a constituição dos grupos e são obrigadas a contratar administradoras. Estas últimas devem ser constituídas como sociedades anônimas com objeto exclusivo de gerir operações de PPM, sujeitas a autorização prévia da Susep e a um conjunto robusto de exigências prudenciais, dentre elas: Capital Mínimo Requerido (CMR), Patrimônio Líquido Ajustado (PLA), controles internos, auditoria interna e observância de regras de investimentos e vedações.

Entre os principais requisitos prudenciais dos grupos, destacam-se as provisões técnicas, formadas pela Provisão de Eventos a Liquidar (PEL) e pela Provisão de Eventos Ocorridos e Não Avisados (PEONA). Embora esta última possa ser dispensada quando considerada imaterial, há preocupação quanto ao risco de fragilização do equilíbrio atuarial, sobretudo pela ausência de exigência da Provisão Complementar de Cobertura (PCC). O regime de contribuições também é estruturado de forma detalhada, contemplando parcelas de estabilização, de rateio e de taxa de administração, com o patrimônio líquido do grupo funcionando apenas como amortecedor de oscilações, vedado o acúmulo excessivo de recursos. No campo dos ativos redutores da cobertura dessas provisões, admitem-se direitos creditórios, ativos de resseguro e depósitos judiciais, mas o debate sugere a inclusão também de ativos de seguro como forma de evitar distorções concorrenciais.

Quanto ao capital, a administradora deverá manter CMR formado pela soma do capital base (equivalente ao de seguradoras S4, com possibilidade de redução por regionalização) e do capital de risco operacional, sem incluir riscos de subscrição, crédito e mercado. O PLA deve permanecer superior ao CMR, ajustado apenas por critérios contábeis.

Os limites de retenção do grupo cabem ao atuário responsável, já que não há parâmetro objetivo como o limite de 5% do PLA aplicável às seguradoras. No tocante aos investimentos, as regras para os grupos seguem o modelo das seguradoras, com vinculação dos ativos garantidores às provisões técnicas e demais obrigações, enquanto as administradoras devem observar princípios de segurança, solvência, liquidez e sustentabilidade, embora sem a obrigatoriedade de obedecer integralmente às diretrizes do CMN. Além disso, a minuta prevê vedações rígidas para evitar conflitos de interesse, assegurando independência da gestão da administradora.

Em matéria de governança, exige-se sistema de controles internos e auditoria interna, com possibilidade de constituição de comitê de auditoria, mas dispensam-se a unidade de conformidade e a indicação formal de responsável pela auditoria interna, assim como toda estrutura de gestão de riscos, tal como exigido das seguradoras. Em compensação, introduz-se a figura da auditoria operacional, inspirada nas cooperativas de crédito, como linha de defesa adicional. Essa flexibilização, entretanto, gera dúvidas sobre se a redução de custos regulatórios justificaria a diminuição de salvaguardas em operações tão inovadoras e arriscadas.

Dois pontos críticos foram ainda enfatizados no debate: a ausência de regulamentação imediata de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo (PLDFT) e a exclusão das administradoras do rol daquelas que devem enviar dados para compor a Base de Dados de Perdas Operacionais (BDPO), o que poderia fragilizar a consistência do modelo de supervisão baseada em riscos dessas novas supervisionadas. Por outro lado, poderia ser uma oportunidade para avaliar a dispensa do envio da base de perdas também para as seguradoras.

Da mesma forma, a minuta não replica integralmente as exigências da Circular Susep 638/2021 sobre segurança cibernética, o que causa preocupação diante da relevância do tema e do histórico recente de incidentes no setor financeiro.

Em conclusão, a minuta de resolução do CNSP traduz um esforço da Susep em alinhar o regime de PPM às melhores práticas internacionais de supervisão, respeitando as particularidades do modelo mutualista. As exigências prudenciais propostas reforçam os pilares de solvência, governança e transparência, essenciais para a proteção dos participantes e a sustentabilidade do mercado. No entanto, a efetividade da regulação dependerá da implementação prática, da capacidade de supervisão e da maturidade das novas administradoras. O painel da AIDA evidenciou que a consulta pública é oportunidade fundamental para ajustes e aperfeiçoamentos, consolidando um marco regulatório equilibrado entre inovação e segurança.

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Karini Madeira

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