Setor de seguros pode ser um vetor de transformação em prol da resiliência climática

Na manhã desta quarta-feira (12) na Casa do Seguro ocorreram os painéis “Cidades resilientes: planejamento urbano para um clima imprevisível”; e “Mudanças climáticas e o novo paradigma dos seguros”.
CEO da Allianz Brasil, Eduard Folch Rue, na abertura do painel Cidades resilientes: planejamento urbano para um clima imprevisível.

 

As cidades, assim como setores estratégicos, como o agronegócio e a infraestrutura, são cada vez mais castigados pela frequência e severidade dos eventos climáticos extremos. O que fazer? Algumas das soluções possíveis foram discutidas na manhã desta quarta-feira (12) na Casa do Seguro, espaço da CNseg na COP30, durante debates promovidos pela Allianz. Os painéis “Cidades resilientes: planejamento urbano para um clima imprevisível”; e “Mudanças climáticas e o novo paradigma dos seguros” deixaram claro que a resiliência urbana ou rural passa por novos modelos de seguros climáticos, coberturas e assistências mais abrangentes, uso de dados para prevenção e novas formas de precificação de risco.

Ao abrir o primeiro painel, o CEO da Allianz Brasil, Eduard Folch Rue, assinalou a urgência de integrar sustentabilidade, tecnologia e proteção financeira no planejamento urbano. “Temos uma grande oportunidade de falar sobre parcerias público-privadas e sobre como o setor deve colocar a agenda de sustentabilidade no centro do mercado segurador”, afirmou. Ele lembrou que o crescimento acelerado das cidades tem intensificado os impactos climáticos e gerado novas vulnerabilidades. “Em 1960, dois terços da população mundial viviam em áreas rurais; hoje, 57% — cerca de 4,6 bilhões de pessoas — estão em cidades. No Brasil, são 87%, o equivalente a 177 milhões de pessoas”, observou, para quem o surgimento das megacidades, como a região de Guangdong, na China, com 70 milhões de habitantes, e o entorno de São Paulo, Campinas e Baixada Santista, com 27 milhões, exemplifica a magnitude do desafio.

Ele lembrou que as cidades são, ao mesmo tempo, o maior foco de emissão de gases de efeito estufa e o espaço mais vulnerável às consequências das mudanças climáticas. “Impermeabilizam o solo, esquentam o planeta e têm poucas áreas verdes. Ao mesmo tempo, concentram pessoas e riquezas, o que amplifica os impactos dos fenômenos naturais”, explicou.

 

Adaptação das cidades

Para o executivo, o papel do seguro deve ir além da reparação de danos: “Precisamos ser vistos como agentes que ajudam a prever, adaptar e reconstruir.” A Allianz, destacou ele, tem investido no uso de dados, novas coberturas e tecnologias para apoiar a mobilidade e a transição energética sustentável. “Queremos trazer ciência e soluções práticas adaptáveis para o mercado”, concluiu.

A head de Resiliência e Desenvolvimento de Negócios da Allianz Risk Consulting, Lena Fuldauer, reforçou a necessidade de repensar a forma como as cidades são projetadas. “Construímos nossas cidades pensando no clima do passado, não no clima do futuro”, afirmou. Segundo ela, a infraestrutura urbana não está preparada para enfrentar extremos de calor, chuva e enchentes, todos desafios que se tornarão mais frequentes. “Até 2050, a maior parte da população mundial viverá em áreas urbanas. A mudança climática traz mais umidade, mais secas, enchentes e contaminação de rios. Precisamos construir cidades que evoluam e se adaptem.

 

Soluções concretas

Lena citou exemplos de soluções concretas: Singapura reduziu áreas de enchente de 3 mil hectares por meio de engenharia avançada, enquanto Notre Dame investiu em infraestrutura verde e retenção de água com a participação ativa das comunidades locais. Para ela, o setor de seguros pode ser um vetor de transformação. “O seguro não pode ser apenas uma resposta ao desastre. Ele deve antecipar riscos, apoiar soluções e incentivar a resiliência. A indústria de seguros pode reduzir o impacto macroeconômico dos desastres, tornar os riscos visíveis e criar incentivos para adaptação. Mas ela não pode fazer isso sozinha — precisa de parcerias com governos, academia e setor privado.” Lena ressaltou ainda que investir em resiliência não deve ser visto como custo, mas como investimento estratégico no futuro.

O diretor-executivo da Allianz Brasil, Fábio Morita, afirmou que a frequência e a intensidade dos eventos climáticos extremos cresceram 200% nos últimos anos, afetando tanto os mercados emergentes quanto os desenvolvidos. “Os efeitos da mudança climática são palpáveis”, afirmou. Morita destacou que o setor segurador tem uma responsabilidade dupla: mitigar os riscos futuros e ajudar na adaptação às novas realidades climáticas. “Queremos ajudar nossos clientes a se adaptarem, para que os riscos sejam minimizados. E, se tudo mais falhar, estaremos lá com a proteção do seguro.

A base dessa atuação, explicou ele, é o conhecimento. “Para combater um inimigo, é preciso conhecê-lo bem. E com a mudança climática, isso não é diferente. O seguro depende de dados para medir riscos.

 

A importância dos dados

O executivo lembrou que a Allianz, presente em mais de 70 países, construiu uma base de dados global ao longo de 130 anos, reunindo informações sobre chuvas, ventos, terremotos e queimadas, cruzadas com dados georreferenciados. No Brasil, a companhia reúne dados de mais de 2 milhões de veículos, ampliando sua capacidade de análise local. Essa inteligência de dados alimenta ferramentas como a Glória (Global Risk Analysis), voltada para o mercado de pessoas físicas. “Ela transforma dados em informações práticas, permitindo que nossos clientes avaliem riscos de desastres com precisão e tomem decisões preventivas”, explicou.

 

Investimentos em infraestrutura

Em sua fala, o especialista David White, diretor de Advocacy e Comunicação em Infraestrutura e Resiliência, destacou que o investimento em infraestrutura resiliente é um dos meios mais eficazes para salvar vidas e fortalecer economias. “As perdas globais em infraestrutura causadas por desastres chegam a 700 ou 800 bilhões de dólares por ano — cerca de 14% da renda de um país”, alertou. Exemplos como o furacão Melissa, que causou perdas de até 40% do PIB em algumas regiões, mostram o custo da inação. Apesar disso, White ressaltou que há uma oportunidade histórica: “Sabemos que 75% da infraestrutura necessária até 2050 ainda precisa ser construída. Isso nos dá a chance de incorporar resiliência desde já.

No caso brasileiro, o especialista destacou que cada dólar investido em infraestrutura resiliente pode gerar um retorno entre 7 e 12 dólares, além de evitar perdas significativas. Ele citou como exemplo um estado da Índia que, após sofrer um superciclone nos anos 1990, reconstruiu sua infraestrutura com foco em resiliência e hoje está mais preparado para enfrentar novos eventos. Iniciativas semelhantes estão em andamento em países como Honduras, Sri Lanka e também no Brasil, com foco em sistemas de abastecimento de água e adaptação urbana. “A resiliência é um investimento que se paga, em vidas e em economia”, concluiu.

 

Transição climática e o novo papel do seguro

O segundo painel da Allianz na Casa do Seguro reuniu especialistas globais e brasileiros para discutir como o setor pode enfrentar o desafio crescente das mudanças climáticas. A conversa contou com Gabrielle Durisch, Chief Sustainability Officer (CSO) da Allianz Commercial; Mauricio Masferrer, diretor-executivo da Allianz Brasil; e Butch Bacani, chefe de Seguros da Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP FI). O encontro reforçou que o seguro precisa deixar de ser apenas um instrumento de reparação para se tornar um agente de transformação e resiliência climática.

Gabrielle Durisch destacou que o desafio climático é o maior risco corporativo dos últimos anos. “Estamos vivendo um momento de aceleração das mudanças climáticas, e as empresas estão começando a sentir o impacto. As perdas econômicas associadas a desastres naturais aumentaram substancialmente na última década”, afirmou.

Segundo a executiva, embora a percepção pública sobre o tema ainda não tenha a mesma urgência que a pandemia de Covid-19 provocou, os riscos estão crescendo de forma constante. “O problema é que não sentimos um impacto agudo, como foi o caso da pandemia, mas as evidências estão por toda parte — enchentes, secas, deslizamentos. Precisamos preparar as pessoas para reagir antes que esses eventos se tornem incontroláveis.

O aumento da frequência e da intensidade dos desastres climáticos vem acompanhado por um novo desafio: a ampliação da lacuna de proteção — o espaço entre os danos sofridos e o que é efetivamente coberto pelos seguros. “O seguro ainda não está disponível na medida necessária. Em muitas regiões, especialmente nos países em desenvolvimento, as pessoas mais afetadas pelas mudanças climáticas não têm cobertura. Isso precisa mudar”, disse. Gabrielle destacou ainda que 90% das mortes relacionadas a eventos climáticos ocorrem em países em desenvolvimento, o que reforça a urgência de políticas inclusivas de seguro e de resiliência.

Segundo ela, as perdas econômicas provocadas por desastres naturais superam centenas de bilhões de dólares por ano, e o impacto tende a crescer à medida que o investimento se concentra em áreas mais expostas. “Há uma sobreposição entre regiões vulneráveis e aquelas que mais recebem investimentos econômicos, o que multiplica o efeito das perdas. É um círculo vicioso que o setor financeiro e o setor de seguros precisam romper.

A executiva destacou que a Allianz trabalha globalmente com cinco abordagens:

  1. Soluções de baixo carbono, com foco em energia renovável e construção sustentável;
  2. Apoio à transição energética, incentivando a redução de emissões e a reconstrução com menores impactos;
  3. Parcerias estratégicas, para ampliar a capacidade técnica e oferecer soluções integradas a clientes;
  4. Serviços de aconselhamento, para que empresas compreendam seus riscos e desenvolvam estratégias de mitigação;
  5. Parcerias público-privadas, com foco em comunidades vulneráveis e iniciativas de adaptação local.

 

Precisamos agir com urgência e escala. O tempo da ação é agora”, afirmou Gabrielle. “A resiliência é uma questão econômica, mas também humanitária. Proteger comunidades é proteger a economia.

 

Mais riscos

Mauricio Masferrer dos Santos, acrescentou que o setor de seguros é essencial para ajudar a sociedade a navegar em tempos de crise, mas essa tarefa nunca foi tão complexa. “O mundo está mais volátil, e os riscos evoluem em uma velocidade inédita — sejam tecnológicos, políticos ou climáticos”, afirmou. Ele lembrou que os efeitos da mudança do clima, antes vistos como distantes, agora fazem parte da rotina nacional. “As tempestades que atingem o Sul, os alagamentos em São Paulo, as secas prolongadas no Nordeste — esses eventos estão mais frequentes e mais intensos. E a infraestrutura brasileira ainda é muito vulnerável.

O executivo também chamou atenção para o gap de proteção no Brasil, que ultrapassa 90% — ou seja, a maioria dos danos causados por eventos climáticos não é coberta por seguros. “Nos países desenvolvidos, esse índice gira em torno de 70%. Isso mostra o tamanho da nossa missão. Precisamos fazer com que o seguro chegue onde ele ainda não chega.

Masferrer defendeu que o setor abandone o modelo tradicional, baseado apenas na transferência de risco, e adote uma abordagem voltada para resiliência e adaptação, e apontou inovações a cargo de sua seguradora.

  • Agronegócio resiliente: a companhia ampliou em 120% sua capacidade de cobertura para o campo nos últimos cinco anos, reforçando o compromisso com o setor mesmo diante do aumento dos riscos climáticos. “Hoje, somos a segunda maior seguradora agrícola do país. Utilizamos imagens de satélite e indicadores ESG para avaliar cada área segurada. Se não estiver alinhada aos nossos critérios ambientais, não subscrevemos o risco.
  • Transição energética: a Allianz atua como seguradora e investidora em projetos de energia limpa. “Trabalhamos com engenharia de risco e subscrição especializada para projetos de energia solar e eólica. São riscos novos, complexos, mas que precisam de soluções técnicas adequadas para dar segurança aos investidores.
  • Ferramenta CARES: criada em parceria com clientes, a plataforma permite avaliar 12 cenários climáticos futuros — para 2030, 2050 e 2080 — e estimar impactos sobre os negócios. “Ela ajuda nossos clientes a planejar investimentos, definir medidas de mitigação e elaborar planos de contingência”, explicou Masferrer.

 

Outro participante foi Butch Bacani, da UNEP FI, que destacou a importância do setor de seguros no apoio à descarbonização e proteção da natureza. “A transição energética precisa incluir todos os setores, inclusive os mais emissores, como o aço e o agronegócio. O seguro de transição é uma ferramenta essencial para que esses setores avancem com segurança”, afirmou. Bacani também destacou o conceito de nature positive insurance’ — seguros voltados à recuperação ambiental e à valorização dos ecossistemas. “Proteger a natureza é reduzir riscos. Mananciais preservados e florestas conservadas ajudam a conter enchentes, reduzir o calor e equilibrar o carbono. O seguro pode ser um aliado direto na preservação e na adaptação climática.

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