Mantido o ritmo atual e sem medidas voltadas à descarbonização, o agronegócio brasileiro poderá quase dobrar suas emissões de gases de efeito estufa, saindo de 480 milhões de toneladas de CO₂ em 2023 para quase 800 milhões em 2050.
O alerta foi feito durante o painel “Descarbonização do Agronegócio: caminhos para reduzir emissões e promover a sustentabilidade”, organizado pela Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban). O debate ocorreu neste sábado, na Casa do Seguro, espaço de discussões da CNseg na COP30.
Moderadora do painel, Alessandra Fajardo, diretora executiva do CEBDS, destacou que a transição climática do agronegócio brasileiro ganhou nova força com a formação de uma ampla coalizão setorial dedicada à descarbonização.
Essa iniciativa reúne mais de 40 organizações de toda a cadeia do agro e busca acelerar a adoção de práticas regenerativas no campo, reduzir emissões e viabilizar investimentos necessários para transformar a produção até 2050.
Segundo Alessandra, a coalizão foi viabilizada por sete entidades em colaboração com grandes empresas do setor — CEBDS, Amaggi, Nestlé, Tereos, Syngenta, Bayer e Citrosuco — e se diferencia por não ter sido construída “em caixinhas”, como iniciativas anteriores. Ela integra elos da cadeia que raramente atuam juntos: associações, indústria de insumos, traders, grandes fabricantes de alimentos, bancos e outros setores estratégicos.
Reconhecendo que o quadro é desafiador, ela disse ser possível reduzir entre 70% e 80% das emissões do setor até 2050. Essa transição é, contudo, onerosa, custando entre US$ 70 bilhões e US$ 120 bilhões. A chamada agricultura regenerativa é viável, rentável e já tem histórico de sucesso. Isso porque não apenas reduz emissões como aumenta a rentabilidade das propriedades rurais.
Gap de US$ 100 bilhões: o grande desafio do financiamento climático
A especialista destacou que, embora o agro já conte com diversas linhas de crédito verdes, elas não são suficientes para sustentar a transformação necessária.“Temos muitos mecanismos, mas falta escala.”
Dos até US$ 170 bilhões requeridos, o sistema atual cobre uma parcela limitada, deixando um gap de US$ 100 bilhões. Para preencher essa lacuna, será preciso ampliar o uso de blended finance e atrair capital catalítico que tornará a transição acessível a produtores de diferentes portes.
Outros pontos considerados essenciais:
Alessandra reforçou que as quatro principais alavancas que respondem por 80% do potencial de redução já são conhecidas: plantio direto, sistemas integrados lavoura-pecuária, intensificação animal e cultivos de cobertura.
Os passos dados pela Amaggi
Juliana de Lavor Lopes, diretora de ESG da Amaggi, afirmou que o agronegócio brasileiro já percorreu um caminho significativo rumo à redução de emissões – muitas vezes sem ter plena consciência disso.
Nesse sentido, ela relatou que a principal surpresa de um estudo conduzido em parceria com entidades do setor foi constatar que quatro ou cinco alavancas são capazes de responder por até 80% da mitigação necessária. “Quando vimos que poucas alavancas reduziam 80% das emissões, foi um espanto. Mostra o quanto já inovamos, mesmo quando não era esse o foco”, afirmou.
Segundo Juliana, práticas que inicialmente não tinham a descarbonização como objetivo acabaram contribuindo decisivamente para conter emissões ao longo das últimas décadas. Sem elas, os números seriam muito mais elevados. Essa constatação revela, segundo a executiva, dois pontos essenciais: o setor já tem um histórico consistente de inovação; e poucos setores econômicos alcançariam tamanha redução com técnicas já conhecidas.
Desafio agora é calcular, medir e transformar
Apesar do avanço, Juliana reforçou a necessidade urgente de precisão metodológica para mensurar emissões e registrar ganhos de forma padronizada. “Precisamos saber calcular melhor, transformar em dados quantificáveis.”
Essa etapa, de acordo com ela, é indispensável para dar segurança a produtores, compradores e investidores e para viabilizar mecanismos financeiros de apoio à transição.
Juliana explicou que, para a Amaggi, os resultados do estudo trouxeram clareza estratégica. A empresa possui compromissos de desmatamento zero e conversão zero na cadeia de valor, o que significa crescer apenas em áreas já abertas. “O estudo mostra que o crescimento está justamente na integração lavoura-pecuária e nas áreas abertas com plantio. Isso, para mim, é música.”
Vale lembrar que a companhia administra uma das maiores cadeias produtivas do país, com 6.000 produtores, 9.000 fazendas e 22 milhões de hectares monitorados diariamente. Essa escala, porém, também representa um enorme desafio de padronização e de inclusão produtiva. A transição, no caso da empresa, não é de pecuária para lavoura, mas de agricultura convencional para agricultura regenerativa — um movimento que exige investimentos e implica riscos.
A experiência da Citrosuco
Leon Cruz, especialista ESG da Citrosuco, relatou os avanços da empresa no campo da agricultura regenerativa. A Citrosuco — maior processadora de suco de laranja do mundo, responsável por quatro de cada dez copos consumidos globalmente — vive um momento de extremos: após a pior safra em 30 anos, caminha para a melhor dos últimos 10. Segundo Leon Cruz, a companhia enfrenta dois desafios centrais: instabilidade climática, que afeta o desenvolvimento da fruta, e o greening, doença que já comprometeu 40% dos pomares do país.
Para aumentar a resiliência, a empresa adotou a agricultura regenerativa como estratégia central e certificou 100% de suas fazendas. Estudos da Embrapa mostraram que pomares de laranja capturam mais CO₂ que outras culturas, o que levou à criação do PSA Carbono Agro, programa que remunera práticas sustentáveis em toda a cadeia — 60% da produção da empresa vem de parceiros.
Desenvolvido com a ECCON e a Reservas Votorantim, o projeto está em fase piloto em quatro fazendas e avança para cooperativas e pequenos produtores, que representam 20% da cadeia. A iniciativa teve um marco importante com a primeira venda de créditos de carbono, reforçando a integridade da metodologia. “Estamos no início, mas com potencial de transformar toda a cadeia produtiva”, afirmou Cruz.
Respostas do mercado segurador à agricultura regenerativa
Em resposta sobre como o mercado segurador poderá apoiar a transição para uma agricultura regenerativa, Pedro Werneck, gerente de Sustentabilidade da CNseg, afirmou que nenhum outro setor tem a competência para avaliar e precificar riscos como o de seguros, destacando três frentes de atuação.
A primeira é a proteção, tendo em vista que seguro permite aos produtores se recompor de perdas de safra, dando-lhes tranquilidade para usar suas reservas em investimentos, inovação e práticas sustentáveis, como a agricultura regenerativa, em vez de guardá-las para cobrir perdas.
A segunda esfera é a indução. Isso porque as seguradoras podem privilegiar práticas sustentáveis refletindo isso no preço, pois entendem que isso reduz o risco climático a longo prazo. Isso cria um efeito cascata na economia, gerando valor para a descarbonização.
A terceira é a viabilização de investimentos. Ele lembrou que o agro é um setor crítico para a descarbonização do Brasil e requer investimentos em novos processos e tecnologias. O setor de seguros pode reduzir o custo de capital para esses investimentos e facilitar o acesso a crédito, diminuindo o risco percebido pelas instituições financeiras.
O agronegócio é extremamente vulnerável às mudanças climáticas, mas também é relevante para o crescimento nacional e a segurança alimentar global. Portanto, um olhar atento dos instrumentos financeiros é fundamental.
Dificuldades de financiamento da transição de pequenos produtores
De acordo com o gerente de Sustentabilidade e Inovação da Anbima, Luiz Pires, o mercado de capitais tem ampliado o financiamento ao agro nos últimos anos, mas enfrenta o desafio de fazer recursos chegarem à ponta do sistema. Na sua avaliação, o avanço dos Fiagros tem ampliado o acesso a capital de longo prazo no agronegócio, trazendo “dinheiro mais rápido e mais barato”, capaz de sustentar transformações estruturais no campo. Segundo Pires, o mercado de capitais não rejeita risco, mas exige retornos proporcionais e, sobretudo, informação confiável.
Para isso, crescem estruturas de governança, padronização e títulos rotulados, como os verdes, que passam por auditorias independentes e aumentam a confiança do investidor institucional. A recente taxonomia sustentável brasileira também ajuda a orientar o fluxo de capital para projetos que geram impacto ambiental positivo.
O grande desafio, afirma, é fazer com que esses recursos cheguem ao pequeno produtor — “a Dona Maria e o Seu José”. A solução passa por ecossistemas de investimento, combinando bancos, gestores, governo e instrumentos de blended finance para distribuir riscos e viabilizar operações na ponta. Com mais dados sobre carbono e biodiversidade, diz, será possível financiar de forma ainda mais estruturada. Nos últimos anos, essa capacidade de financiamento tem crescido de forma consistente, concluiu.
Bancos avançam em critérios climáticos
A relação do setor bancário com o risco socioambiental no agronegócio não é nova. Como lembra Cintia Oller Cespedes, gerente de Sustentabilidade da Febraban, a primeira norma do Banco Central sobre o tema, ainda em 2008, já tinha o agro como foco. Hoje, critérios climáticos fazem parte do próprio manual do crédito rural, consolidando a pauta no sistema financeiro.
O grande desafio, afirma ela, está na qualidade e na disponibilidade de dados — especialmente quando se trata de pequenos produtores. “Com grandes empresas como Amaggi e Citrosuco, que já reportam emissões e têm métricas consolidadas, é mais fácil. Mas e os pequenos?”, questiona.
Para enfrentar essa lacuna, a Febraban trabalha na criação de uma base setorial de emissões e na elaboração de um roadmap para gestão de riscos de desmatamento, permitindo que bancos se antecipem e identifiquem oportunidades além das exigências regulatórias. Cespedes destaca ainda iniciativas como o Eco Invest, que combina capital catalítico e blended finance para acelerar investimentos sustentáveis. “O problema não é o risco ser alto; é ele ser desconhecido”, resume. “Precisamos trabalhar juntos — bancos, empresas, governo e academia — para medir, entender e reduzir esse risco.”
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