Temos Código — a solidariedade no Marco Legal dos Seguros (Lei 15.040)

Confira artigo do advogado sócio fundador e diretor da CJosias & Ferrer Advogados Associados, Carlos Josias Menna de Oliveira
Carlos Josias Menna de Oliveira

Art. 101. Quando a pretensão do prejudicado for exercida exclusivamente contra o segurado, este será obrigado a cientificar a seguradora, tão logo seja citado para responder à demanda, e a disponibilizar os elementos necessários para o conhecimento do processo.

Parágrafo único. O segurado poderá chamar a seguradora a integrar o processo, na condição de litisconsorte, sem responsabilidade solidária.

Antigo e desatualizado, o CCB de 1916 enfrentava incontáveis dificuldades de se manter e bem atender a sociedade no ano 2000 quando chegou no seu limite de validade e já não se podia mais compreender sua permanência como estava.

Foi criada uma comissão, comandada pelo professor Miguel Reale, a quem foi confiada a missão de modernizar aquele que podia ser considerado o mais importante diploma legal do direito brasileiro.

De 1916 a 2002 passaram-se 86 anos, período superior às aparições do Cometa Halley, que nos visita de 76 em 76 anos.

O então novo Código nasceu com a missão de modernizar o ordenamento jurídico já superado pelo que possuía na época.

Nasceu sob aplausos e críticas, como todo regramento que surge ou substitui.

Característica invariável das humanas, em especial no direito, nada se cria imune às críticas, o que certamente impulsiona se buscar a perfeição, ainda que utópica.

Lembro-me que foi confiado a uma belo e experiente colega, num clube do qual sou conselheiro, a tarefa, aparentemente simples, de elaborar um regulamento para um tipo de solenidade que visava homenagear figuras notáveis e ou admiráveis de atletas da entidade e que haviam prestado grandes serviços no decorrer dos anos com sucesso e láureas.

Depois de muitos meses o regulamento estava pronto e foi submetido à grande Assembléia, cuja composição era repleta de advogados.

Em meio à exposição o redator das regras se afastou diversas vezes do plenário para suprir ou acrescer algo no texto e mesmo depois de muitas horas de ferrenha discussão e acirrados debates e com o conteúdo pronto e aprovado perdurou por horas as divergências e sustentações nos corredores, algumas das quais com o passar dos anos não foram totalmente digeridas por todos e ainda são objetos de argumentações e disputas.

Isto num clausulado singelo.

O que não dizer de um Código com a importância e magnitude do nosso.

Então perfeitamente compreensível que o Código de 2002, que passou a vigorar em novembro de 2003, tivesse levado tanto tempo para ser aprovado, quase 30 anos de tramitação, e mesmo depois deste período fosse aprovado sob críticas em diversos planos de sua criação.

Talvez, e ou até por isto, o legislador da época tenha se valido, na ocasião, de uma estratégia não menos capaz de ser entendida, qual seja de trazer, para dentro da lei, a posição dos tribunais sobre temas mais específicos como forma de legalizar o que já estava sendo decidido e que poderia contemplar com mais justiça o ordenamento da vida em sociedade.

E foram inúmeras as passagens daquele Estatuto que a equipe Miguel Reale introduziu no documento o entendimento pretoriano vigente na época.

Assim as últimas alterações introduzidas pela lei no contrato de seguros, considerando o Código Civil de 2002, em vigor desde 11 de janeiro de 2003, que substituiu o anterior diploma de 1916, continham este elemento bastante perceptível, a interpretação dos tribunais sendo incorporadas ao clausulado legal.

É o Judiciário claramente legislando e o brocardo do mestre Junqueira presente de novo: “a Lei é o que o Juiz diz que ela é”.

Bem, estamos em 2025 e prestes a termos em vigor, em novembro, as novas normas, depois de muita tramitação, muitos cortes, muitos acréscimos até finalmente a aprovação almejada.

Temos Código!

É bom, é ruim, melhorou, piorou ….

Em se tratando de criação humana tudo isto junto ou separado.

Sobram elogios, sobram modernidade e atualização, mas é claro, sempre haverá num ou noutro ponto um entendimento de exagero, ausência, desnecessidade, equivoco, enfim, não haverá compreensão ampla e total para tudo porque não é de a natureza humana convergir sempre e em tudo.

E que ótimo seja assim.

Nesta linha me deparo com a questão da solidariedade no contrato de seguros.

Durante os anos 70, período, por sinal, que se tornou um marco divisor mundial dos costumes, das artes e, sim, das leis, vivência e compreensão jurídica, a solidariedade no contrato de seguros foi alvo de discussão sistemática.

Não havia defesa de segurador que, no tema responsabilidade civil, não tivesse longo tópico específico, e muito sustentável, com citação doutrinária pátria e alienígena, ponderando sobre a inexistência dela entre a cia. de seguros e o segurado.

Esta discussão atravessou a década de oitenta e passou a perder força nos anos 90 quando a inclinação predominante atendia aos que se posicionavam a favor da sua existência, chegando ao ano 2000 com o entendimento dos tribunais maciço a favor até pacificar quando aprovada em junho de 2015, o que já era há muito tido como superado, a Súmula 537 do STF:

“Em ação de reparação de danos, a seguradora denunciada, se aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, pode ser condenada, direta e solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice”

Pois quando estas discussões já não se travavam mais, de tão pacificada, sumulada e já beirando ao esquecimento, para a surpresa de muitos o Marco Legal ressuscita a temática em seu artigo 101 ao prescrever.

Francamente não sei a motivação deste ressurgimento, que navega, em princípio ao menos, na mão contrária da técnica, ao menos mais recente, e do comando de entender as questões securitárias pelos nossos tribunais.

No meu sentir, contudo, que mais importante do que simplesmente contrariar o entendimento dos tribunais, a questão como posta me parece atrapalhar o aspecto prático da liquidação judicial e até mesmo a tramitação da venda do produto na plataforma comercial, sem contar que ´espicha` os procedimentos em juízo cujos custos não serão baixos, com certeza.

Fico com o sentimento de retrocesso, no ponto.

Não tenho dúvidas quanto aos avanços do novo Marco Legal, considerando por exemplo a questão do cancelamento unilateral do contrato pela seguradora, os prazos para análises de sinistros e pagamento de indenizações, tampouco que se constata clara modernização da operação seguros.

Na questão da solidariedade, entretanto, me custa encontrar progresso no assunto, ao contrário, aparenta ter andarmos de ´ré`.

A grande mensagem do Código de Defesa do Consumidor de 1990, foi aproximar o produtor do consumidor.

Estreitar as relações facilitando o entendimento de quem compra para que tenha segurança no produto adquirido e tenha exata consciência de que sabe o que comprou, para que serve e que pode contar com ele quando precisar, ao mesmo tempo que exige do produtor a mesma postura de ciência do que vendeu, do que produziu, no que será empregado e a condição de cumprir com o especificado no momento em que o consumidor utilizar ou precisar consumir.

Esta aproximação inclui por evidente o linguajar, quer dizer, o “juridiquês” cedeu o espaço de sua complexidade para a fala simples, pragmática e de fácil entendimento na hora da venda, na plataforma comercial e na hora da liquidação do sinistro ou do processo judicial.

Por isto TEMOS CÓDIGO e não HABEMUS CÓDIGO!

Quando o segurado está às vésperas de adquirir, por exemplo, o produto RC, ele quer saber se ´na hora do aperto’, ou seja, quando tiver que pagar ao terceiro prejudicado, se o segurador estará ali, ao seu lado para dizer ´deixa que eu pago’ – e mais, que isto não seja tido como favor e sim como obrigação, momento de retribuir o prêmio recebido e mantendo ativo o cartão postal do bom e pronto atendimento.

Durante muito tempo se pregou que adquirir um seguro não significava que o adquirente pensasse: “tenho seguro não tenho porque me incomodar, a seguradora que se incomode”. Isto pode não ser totalmente verdade, mas é verdade. Ninguém compra um contrato de seguros para deixar uma ação judicial a quem quer que seja – filhos, viúva, etc.

Então, se há obrigações do segurado em colaborar com a seguradora, praticar a verdade, a boa-fé, etc., há o dever de o protetor titular da apólice não deixar que este seu cliente que lhe comprou conforto – e conforto não é barato – fique credor da imediata concessão deste remédio que lhe alivie significativamente a dor.

Não será exigindo que o segurado pague o ofendido para depois se habilitar ao ressarcimento, que este conforto lhe será alcançado.

Imagine o consumidor na plataforma comercial indagando do vendedor ou corretor se quando terminar a causa a seguradora irá arcar com o pagamento da indenização e este lhe responder: “não, o senhor terá que primeiro pagar o terceiro, depois iremos lhe ressarcir”. É meio caminho andado para o rompimento da compra.

As teses sobre não implicar solidariedade certamente iguais ou melhores que as da década de 70, com farto juridiquês em pilares fortes, certamente estarão respaldadas em amplo e apreciável fundamento jurídico, mas, me desculpem, podem até haver seriedade nelas, mas não são modernas.

Não foi este o alvo do CDC e não pode ser a pretensão do setor obstruir a necessidade de aproximar o consumidor do produtor e o público em geral da compreensão do contrato de seguro que sofrerá, a meu ver, forte abalo de crédito.

Não bastasse isto a economia processual padeceria com o aporte do espichar do processo, sob o risco de gerar nova fase e até nova ação, com mais atividade da justiça bem, ai, teríamos que ver com um Atuário a que custo isto nos levaria, o que aumentaria e certamente não seria barato contribuir para o aumento inclusive de custos tornando a justiça ainda mais morosa.

Diante disto penso que o Judiciário cedo ou tarde vai, de novo, agir para emparelhar a linha torta da lei.

Crédito foto:

Arquivo JRS

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Carlos Josias Menna de Oliveira

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Bruna Nogueira