Arbitragem, dolo e boa-fé em foco no TJRS

Seminário abriu espaço para reflexões fundamentais sobre os impactos e desafios da nova Lei 15.040/2024..

O seminário “Lei de Seguros: o Marco para Novos Rumos”, realizado no dia 3 de junho no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), abriu espaço para reflexões fundamentais sobre os impactos e desafios da nova Lei 15.040/2024, que entrará em vigor em dezembro de 2025. Com participações de especialistas, magistrados e representantes do mercado, os painéis exploraram temas centrais como agravamento de risco, arbitragem e a nova sistemática de regulação e liquidação de sinistros.

 

Mudança de paradigma

No painel sobre “Agravamento de Risco e Arbitragem no Contrato de Seguros”, Adilson José Campoy, especialista em Direito do Seguro pela Universidade de Salamanca, destacou que a nova legislação altera de forma significativa o tratamento do agravamento de risco. “O artigo 13 exige que o agravamento seja intencional e relevante, rompendo com a lógica anterior do Código Civil, onde a mera alteração do risco, ainda que não dolosa, poderia afetar a validade da cobertura”, explicou.

Campoy utilizou exemplos práticos para ilustrar a mudança de abordagem. “Se o segurado transforma um comércio de sorvetes em uma loja de produtos químicos sem comunicar à seguradora, mas sem intenção de burlar o contrato, esse ato antes seria passível de penalização. Agora, com a exigência de intencionalidade e continuidade, a consequência jurídica se altera.

O especialista também trouxe contrapontos à leitura de outros juristas. “Discordo da professora Judith Martins Costa quando ela aproxima o agravamento intencional do comportamento doloso. Não consigo imaginar, na prática, uma situação de agravamento de risco que seja verdadeiramente intencional. Essa exigência talvez seja até um erro de redação do artigo 13.

 

Arbitragem e os desafios da carteira de transportes

Paulo Cremoneze, especialista em Direito dos Seguros pelas universidades de Salamanca e Montevidéu, trouxe uma defesa da arbitragem como meio alternativo para resolução de conflitos envolvendo contratos de seguros, especialmente na carteira de transportes, muitas vezes negligenciada no debate público.

É uma carteira que movimenta cerca de R$ 6 bilhões ao ano, e sua importância é estrutural no país, sobretudo diante das deficiências logísticas. E ainda assim, é tratada como um ‘patinho feio’”, afirmou.

Cremoneze compartilhou um caso emblemático ocorrido no Porto de Santos, quando a tripulação de um navio decidiu alterar a baía de atracação buscando melhor sinal de internet, sem observar alerta de condições climáticas. “O prejuízo foi milionário. Se esse processo tivesse sido julgado sob jurisdição inglesa, como sugerido à época, haveria ainda mais complexidade jurídica.

 

O papel da jurisprudência e o comportamento do segurado

Durante os debates, o advogado Marco Aurélio Mello, da Comissão Nacional de Direito Securitário da OAB Federal, trouxe uma reflexão sobre a relativização da postura do segurado e o papel da jurisprudência na aplicação do novo marco. “Será que a omissão de uma informação que poderia agravar o risco pode ser validada com base na teoria do ‘venire contra factum proprium’? Essa é uma das perguntas que a jurisprudência terá que responder”, provocou.

 

Regulação e liquidação de sinistros: rigor e prazos definidos

No painel “Regulação, liquidação e aspectos polêmicos”, o especialista Márcio Malfatti reforçou a importância de compreender a distinção entre as fases de regulação e liquidação, agora claramente estabelecidas na nova lei.

A seguradora terá 30 dias para regular e 30 dias para liquidar o sinistro. Não são 60 dias corridos, mas duas etapas distintas, com obrigações próprias”, esclareceu. Ele também abordou o adiantamento de indenizações parciais, como o caso clássico de incêndio, onde o pagamento do prédio pode ser feito antes da apuração total do conteúdo.

 

Consolidação e maturidade institucional

Para o presidente da CESPC da OAB/RS, Ricardo Villar, o momento é de consolidação e amadurecimento do setor. “Finalmente temos uma legislação que traz mais segurança jurídica para todas as partes envolvidas. Sabemos que críticas surgirão, como em qualquer processo legislativo, mas agora temos uma base comum”, destacou.

Villar também reforçou a ferramenta de difusão de conhecimento: “Debates como os de hoje são fundamentais para que o Judiciário, a advocacia e o mercado construam juntos essa nova fase.”

Conforme os painelistas, a Lei de Seguros representa uma mudança profunda — e necessária — no setor. Com novas exigências sobre comportamento do segurado, prazos mais claros e estímulo a meios alternativos de resolução de conflitos, a arbitragem, o ambiente regulatório passa a oferecer mais previsibilidade, mas também impõe maior responsabilidade técnica e jurídica a todos os envolvidos.

A jornada até a plena implementação da lei será marcada por ajustes, interpretações jurisprudenciais e amadurecimento institucional. Eventos semelhantes a este reforçam o compromisso dos agentes do setor com um mercado transparente, justo e eficiente.

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Filipe Tedesco

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Fernanda Torres

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